segunda-feira, 25 de julho de 2011

INTRODUÇÃO A HERMENÊUTICA


Hermenêutica
Presb.  Deusdedit Campelo


1.      A Necessidade da Hermenêutica

Sempre que fazemos a leitura de algo escrito ou falado fazemos consciente ou inconscientemente a interpretação, isto é, procuramos estabelecer, em nossa mente, o significado do que lemos ou ouvimos. Não existe leitura sem interpretação. O que pode existir é, sim, leitura sem sucesso na interpretação; lemos ou ouvimos, mas não entendemos nada.  Por vezes é o que acontece quando lemos qualquer texto cujo contexto (seja ele histórico, técnico, cultural, político, etc.) é por nós desconhecido. É quando nos deparamos com algum tipo de bloqueio para a compreensão espontânea do significado, que nos tornamos mais conscientes dos processos que usamos para compreender.
Quando surge um bloqueio (linguístico, por exemplo) somos então obrigados a buscar informação para desfazer tal impedimento para então estarmos em condição de compreender o que está sendo comunicado. Logo, quando fracassamos na tentativa de interpretação simultânea, partimos para uma etapa que pode ser considerada sequencial. Daí deduzimos que a interpretação é simultânea (compreensão espontânea) à leitura, e, quando não é conseguida, torna-se sequencial (quando buscamos derrubar os bloqueios existentes à compreensão) à leitura.
No caso da leitura bíblica acreditamos que tanto a interpretação simultânea quanto a seqüencial podem ocorrer. Há textos cuja compreensão está bem patente. Por exemplo, ninguém precisa de muito esforço para entender o que a Escritura que dizer com “Jesus chorou” (Jo 11.35). Isto acontece porque a experiência de chorar é comum a todos nós. Todavia, há textos em que o sentido não está tão direto assim devido a certas barreiras existentes. Quando interpretamos as Escrituras, existem diversos “abismos” que nos impedem de chegar a uma compreensão espontânea do significado primitivo da mensagem. A hermenêutica é a ponte usada para atravessarmos tais “abismos”. Portanto quanto mais “abismos”, tanto maior a necessidade da hermenêutica.1 Esses abismos são o histórico (cronológico), o cultural, o linguístico (do idioma), o geográfico, o literário, o e filosófico.

1.1.       Abismo Histórico (Cronológico)

Há um abismo histórico no fato de que nos encontramos largamente separados no tempo, tanto dos escritores como dos primeiros leitores. Como não estávamos lá, não é possível  conversarmos como os autores para descobrirmos de primeira mão o significado do que escreveram.

1.2.              Abismo Cultural

Existe um abismo cultural resultante de significativas diferenças entre a cultura e o costume dos povos do tempos bíblicos e os nossos. A falta em reconhecer aquele ambiente cultural ou o nosso próprio, ou a diferença entre os dois, pode resultar em grave compreensão errônea dos significado das palavras e ações bíblicas.

1.3.    Abismo Linguístico

A Bíblia foi escrita em hebraico, aramaico e grego2 – três línguas que possuem estruturas  e expressões idiomáticas muito diferentes da nossa própria língua.

1.4.       Abismo Geográfico

Atualmente, a maioria dos leitores e estudantes da Bíblia vivem a milhares de quilômetros de distância dos países onde se deram os fatos bíblicos. Essa distância geográfica nos deixa em desvantagem.

1.5.       Abismo Literário

Existem diferenças entre os estilos e as formas de escrita dos tempos bíblicos e os do mundo ocidental moderno. Dificilmente nos expressamos  com provérbios ou parábolas, no entanto grande parte da Bíblia  foi escrita  em linguagem proverbial ou parabólica. Ainda que certos gêneros literários tenham grande similaridade com alguns dos nossos, outros apresentam estrutura e forma bastante diferentes. É um abismo a ser atravessado visto que várias partes das Escrituras foram revestidas de ou apresentadas em formas literárias que nos são bem estranhas.

1.6.              Abismo Filosófico

Uma outra barreira na compreensão das Escrituras é a lacuna filosófica. Opiniões acerca da vida, das circunstâncias, da natureza do universo diferem entre as várias culturas. Para transmitir validamente uma mensagem (ou para se entendê-la) de uma cultura para outra, o tradutor ou leitor deve estar ciente  das similaridades como dos contrastes das cosmovisões3.
Portanto, a hermenêutica é necessária  por causa das lacunas históricas,  culturais, linguísticas,  geográficas,  literárias,  e filosóficas.

2.      A Importância da Hermenêutica

Tudo o que foi dito no ponto anterior atesta a necessidade e importância da hermenêutica.  Todavia, a sua importância também pode ser ressaltada pelo processo Observação-Interpretação-Aplicação. Na observação, descreve-se o conteúdo do texto (ela responde a pergunta: “Que diz o texto?”); na interpretação, se determina o sentido (ela pergunta: “Qual o significado do texto ?); na aplicação, se expõe  as implicações contemporâneas do texto (ela pergunta: “Que diz o texto para mim hoje?”). A hermenêutica trás sua contribuição indispensável na segunda etapa, a interpretação. Ela fornece os subsídios para a prática da mesma. A interpretação por sua vez precede a aplicação; é pois absolutamente essencial; é fundamental à aplicação. Se a interpretação for incorreta (ou se não for praticada) pode-se acabar aplicando a Bíblia de forma errada. A interpretação da Bíblia é uma das questões mais sérias que os cristãos enfrentam hoje. Dela resulta o que cremos, como vivemos, como nos relacionamos e o que temos a oferecer ao mundo.

A Ciência Hermenêutica

A ciência hermenêutica é comumente dividida em cinco áreas de análise: Análise Histórico-Cultural, Análise Contextual, Análise Léxico-Sintática, Análise Teológica e Análise Literária. Quanto à essa classificação da teoria hermenêutica alguns aspectos devem ser a princípio destacados.
·         Em primeiro lugar, nenhuma dessas análises em si mesma é suficiente para interpretação. Seria um tremendo equívoco imaginarmos que fazendo apenas Análise Contextual  concluímos nossa exegese. A prática exegética envolve todas as análises hermenêuticas.
·         Em segundo lugar, essas análises são interdependentes, isto é, uma análise precisa da informação fornecida por outra para poder ser realizada. Essa característica de interdependência, de interligação, nos leva ao terceiro aspecto:
·         Elas não são seqüenciais. Durante a prática exegética que o intérprete está realizando, uma determinada análise pode estar a uma certa altura do processo, e para poder prosseguir, necessite  de alguma informação fornecida por outro tipo de análise. Por exemplo, a análise léxico-sintática, para ser efetuada com exatidão, precisa saber que tipo de gênero literário o autor bíblico da passagem estudada está usando, e esse passo pertence à análise literária. Portanto quando estudamos separadamente cada uma delas é para entendermos o papel de cada uma dentro da exegese, e não para supormos que uma deve ser realizada após a outra. É para fins de aprendizado que as estudamos individualmente.

1.    Análise Histórico-Cultural

A análise histórica é vista junto com a cultural devido a íntima relação que há entre essas duas áreas que cercam a composição de um documento. Quando falamos em cultura de um povo, incluímos sua história. Portanto falamos em Análise Histórico-Cultural por causa da ligação de natureza que há entre essas duas áreas de investigação.
A pesquisa  histórico-cultural é indispensável para o entendimento correto de qualquer obra. Não é possível haver qualquer compreensão segura de um texto ignorando o ambiente histórico-cultural que o cerca. Como diz Berkhof: “É impossível entender um autor e interpretar corretamente suas palavras sem que ele seja visto à luz de suas circunstâncias históricas.”1
Cabe a essa altura a pergunta pelo que venha a ser “cultura”. Cultura é o conjunto dos moldes de comportamento, crenças, instituições e valores espirituais e materiais característicos de uma sociedade. A cultura envolve o que as pessoas pensam e crêem, dizem, fazem e produzem.
Uma outra forma de agruparmos as facetas da cultura é como segue: A religião, a política, a organização militar, as leis, a agricultura, a arquitetura, o comércio, a economia e a geografia, religião, vida doméstica, estrutura social, a língua e a literatura;  tudo isso  caracteriza uma cultura. E mais, também, influencia o autor bíblico e o que ele escreveu.
Estamos falando de crenças, formas de comunicação, costumes e hábitos, e de elementos materiais com ferramentas, habitações, armas, etc. da época. A cultura de um indivíduo abrange vários níveis de relacionamentos e influências - suas relações com o pessoas e grupos, a função que exerce na família e na classe social e a nação ou governo a que está sujeito. 

1.1.       Contexto Histórico-Cultural Geral

Todo os livros das Escrituras possuem um contexto histórico-cultural geral. É considerado geral porque não se prende necessariamente a particularidades históricas ou culturais que originaram diretamente a obra estudada. Seria o ambiente bastante generalizado que cerca não só o autor e os leitores originais de sua obra, mas também todos aqueles que viviam na mesma época. Refere-se ao estudo das circunstâncias comuns, tais como momento político, social, econômico, etc, do autor, dos leitores e dos seus contemporâneos.

Estudando o contexto histórico-cultural geral das epístolas de Paulo, percebe-se o ambiente político da dominação romana sobre o mundo do qual faziam parte as igrejas e indivíduos para os quais o apóstolo escreve. Analisando a história da cidade de Corinto descobrimos que ela foi reconstruída em 44 a.C. e foi ocupada por ex-escravos. Além disso sua localização geográfica criava as oportunidades para enriquecer, como resultado do controle das rotas comercias, atraindo muitas outras pessoas de diferentes lugares. Notemos que essa é uma situação econômica compartilhada não só pelos crentes de Corinto, mas por todos os habitantes daquela cidade. Porém, tudo isso, sem dúvida, pode lançar bastante luz sobre a formação socio-econômica da igreja que foi estabelecida naquela cidade na época de Paulo. 1
                  
1.2.       Contexto Histórico-Cultural Específico

Nesse tipo de contexto específico, a pesquisa se dá sobre tudo que está ligado à origem do documento ou obra. Aqui buscamos saber histórica e culturalmente o que for possível sobre o autor, a data (época), o(s) destinatário(s), lugar de composição da obra, a ocasião e a finalidade do livro.

1.2.1.      Autor

“Um conhecimento íntimo do autor do livro, facilitará a compreensão de suas palavras”.2 Portanto torna-se fundamental que o intérprete se envolva, o tanto quanto possível, com a pesquisa sobre quem foi o autor. Essa pergunta caminha em duas direções. Primeiro, perguntamos sobre quem compões a obra que estamos estudando. Alguns livros da Bíblia mencionam que foi seu autor; outros não. Daí a pergunta: Quem foi seu autor? Os Evangelhos são anônimos, isto é, não há registro no próprio texto das obras sobre quem as escreveu. O meio que temos pois para descobrir quem preparou os quatro primeiros livros do Novo Testamento se dá pela evidência externa e pela evidência interna. Na evidência externa buscamos saber o que outros escritos, a saber, as obras dos pais da igreja,3 dizem sobre quem escreveu cada um dos evangelhos. 4 A outra evidência é chamada interna, e consiste na busca de sinais internos, isto é, que o próprio livro apresenta, de quem poderia ter sido o autor da obra. Tanto o terceiro Evangelho como o livro de Atos apresentam uma linguagem, gramática, etc. próprias tanto de um médico como de um gentio, o que confirma a tradição das obras dos pais da igreja quanto a ter sido Lucas, o médico, gentílico de origem, o autor da obra Lucas-Atos.5
O outro aspecto da pergunta sobre o autor de uma obra é, uma vez que se tenha determinado quem a compões, saber o que se pode a respeito deste autor.  Nacionalidade, formação religiosa, experiência espiritual, educação, profissão, temperamento, caráter, modo de pensar e outras características específicas. Todos esses detalhes da vida de um autor podem lançar muita luz sobre aquilo que ele escreve. Na verdade tudo isso irá influenciar sem dúvida a composição de suas idéias. Daí a necessidade do intérprete penetrar, o máximo possível, na vida e formação do autor. O fato de Lucas ser médico nos ajuda a entender porque, no seu Evangelho, ele dá tanta atenção aos detalhes das doenças daqueles que forma curados por Jesus. A formação rabínica de Paulo lança luz sobre muitas de suas colocações teológicas apresentadas em suas epístolas. Paulo irá aceitar muitas das posições doutrinárias da teologia judaica, modificando algumas em alguns pontos.6
“Como a melhor maneira de conhecer  os outros é se associar com eles, assim o modo mais efetivo de se conhecer um autor é estudar diligentemente os seus escritos, e prestar atenção aos toques pessoais  e às notas incidentais que ostentam sua vida e seu caráter.”7 Quem quiser conhecer a vida de Moisés, deve estudar o Pentateuco, particularmente os quatro últimos livros. A fim de se conhecer Paulo, é necessário ler sua história  como está registrada em Atos e ler suas epístolas. Seria também muito produtivo para os esforços exegéticos do intérprete buscar ter um conhecimento pelo menos esboço de toda a carreira do autor, quando isso é possível. Tanto no caso de Moisés quanto de Paulo isso é praticável em certa medida.

1.2.2.      Data (Época)

Essa também é uma abordagem bastante importante que auxilia na busca das circunstâncias que originaram um livro. Isso porque, a época da composição pode ajudar a determinar, dentre outras coisas, a ocasião que teria motivado o autor a escrever a sua obra. Por meio da data podemos saber quais eram as possíveis dificuldades que o autor ou seus leitores estariam enfrentando. A datação  do Evangelho de Marcos é um exemplo disso. As datas principais oferecidas pelos estudiosos para a composição deste Evangelho são pertencentes a década de cinquenta e sessenta do primeiro século de nossa era. Os que advogam a data na década de cinquenta enfrentam dificuldade para encontrar a ocasião que teria motivado Marcos a escrever seu trabalho que destaca tão bem o preço de se ser discípulo de Jesus, preço esse que pode chegar a ser o dar a própria vida. Já os que defendem uma data na década de sessenta encontram facilmente uma ocasião propícia para a composição do segundo Evangelho durante a perseguição de Nero por volta de 65 d.C., momento no qual muitos cristãos tiveram que literalmente tomar a cruz. Um dos propósitos de Marcos teria sido então encorajar aqueles irmãos, que estavam sob intensa perseguição, a seguir a Cristo até o fim, inclusive se esse fim significasse a cruz. A década de sessenta oferece a vantagem de dar uma boa circunstância para o propósito  do  Evangelho  de  Marcos.1    Portanto    a    data    pode    ajudar-nos    a    determinar   a   ocasião.2 A data pode nos ajudar também a conhecer mais de perto as circunstâncias mais específicas nas quais o autor se encontrava. Se devemos atribuir o quarto Evangelho ao apóstolo João,3  estaria pois bem avançado em idade.4  O caminho para se datar um documento também se  utiliza das evidências externa e interna. escrevendo na década de noventa do primeiro século, ele, o autor,

1.2.3.      Destinatário(s)

“O conhecimento íntimo dos leitores originais iluminará de  modo admirável as páginas que lhes são endereçadas. O mesmo princípio se aplica aos ouvintes originais de um discurso, por isso eles devem também ser objeto de estudo especial.”5 Indiscutivelmente devemos nos familiarizar o máximo possível com os primeiros leitores ou destinatários originais do livro da Bíblia que estamos estudando.
É na abordagem dos destinatários que faremos uma investigação mais acurada da situação                  socio-econômica de tais leitores primitivos. Entre os crentes para os quais Pedro escreveu sua primeira epístola havia escravos ( I Pe 2.18-20); o mesmo se dá com os cristãos da cidade de Colossosos (Cl 3.22). Havia pobres entre os leitores originais da epístola de Tiago (Tg 1.8; 2.1-7). Já Filemom, para quem Paulo escreve uma epístola, era senhor de escravos (Fm 8-16).
É também de interesse do intérprete saber qual era o estado espiritual dos leitores. Eram crentes? Incrédulos? Eram crentes fiéis ou praticavam a idolatria? Apóstatas ou que corriam o risco de apostasia? Eram crentes maduros ou imaturos? A linguagem usada em I Pedro (1.3,4, 14, 22,23, 2.2) é típica para quem escreve para recém-convertidos. Os leitores de Tiago estavam enfrentando o problema do mundanismo que entrava na igreja. “... a preocupação de Tiago é com o mundo que está entrando na igreja. Ele adverte seus leitores de que ‘a amizade do mundo é inimiga de Deus’ (4.4) e enfatiza como um ingrediente chave da ‘religião pura e sem mácula’ o ‘guardar-se incontaminado do mundo’ (1.27). O  mundanismo na igreja havia se manifestado de variadas formas: uma deferência bajuladora ao rico e uma indiferença insensível ao pobre (2.1-4); palavras críticas e descontroladas (3.1-12;4.11,12; 5.9); uma sabedoria ‘terrena, animal e demoníaca’ com sua inveja e ambição que, por sua vez, produzem divisões e violentas discussões (3.3.13-4.3); arrogância (4.13-17);e, acima de tudo, uma inconstância em essência com respeito a Deus, que interrompe a eficiência da oração  e se manifesta no fracasso em colocar a fé em prática (1.22-27; 2.14-26). Tiago conclama seus leitores a que se arrependam do mundanismo; a que se humilhem diante do Senhor, para que Ele os exalte (4.7-10); e que trabalhem com diligência para recuperar de seus caminhos errados outros pecadores 95.19,20).”1
Em se tratado das igrejas neo-testamentárias deve o exegeta, sempre que possível, traçar a origem ou fundação da comunidade cristã, bem como a história desta comunidade até a época em que foi composta a obra que para ela foi enviada. A teoria mais provável para a fundação da igreja de Roma é aquela que afirma que a comunidade cristã romana foi formada pelo judeus que se converteram por ocasião do derramamento do Espírito no Pentecostes (At 2) e ao voltarem para Roma levaram a nova fé evangélica. O imperador Cláudio ordenou a expulsão dos judeus de Roma (por volta de 49 d.C.) por causa de um constante tumulto  no setor judaico sob a “instigação de Chestus”. Pensa-se que isto foi, na realidade, o conflito incitado pela pregação sobre Cristo. Grande número deles partiu da cidade. Quando Cláudio morreu em 54 d.C., os judeus tiveram permissão para voltar, sob o governo de Nero. Com a expulsão dos judeus a igreja de Roma se tornou predominantemente gentílica. Quando Paulo escreveu sua carta àquela comunidade, a volta dos judeus já tinha se dado (havia pois judeus naquela igreja quando Paulo escreveu para ela), mas a igreja continuava com predominância gentílica. A maioria gentílica e a volta dos judeus teria causado um sério problema de ajustamento da comunidade judaica naquela igreja. Como os gentios deveriam receber os judeus? Como os judeus deveriam ver os gentios que agora estavam na liderança daquela igreja? Paulo pois teria como um de seus propósitos ajudar à comunidade  gentílica e à comunidade judaica a se ajustarem no relacionamento da fé. Por toda a sua carta pois encontra-se indícios deste suposto conflito gentílico-judaico e a tentativa de solução.
Assim como no estudo do autor, a fonte principal para se estudar o(s) destinatário(s) são as próprias Escrituras. “um exemplo é a epístola aos Hebreus. O próprio livro não contém evidência direta de seus destinatários nem de seu autor. Recebeu  o nome de ‘Epístola aos Hebreus’, com base em evidência dedutiva. A epístola contém numerosas alusões ao Antigo Testamento que  não fariam sentido para o pagão comum.  A todo instante ela contrasta a aliança mosaica com a cristã, mostrando a superioridade da nova sobre a antiga, linha de raciocínio que não teria sentido para os que não devotavam lealdade alguma à fé hebraica. Por esses e por diversos outros motivos podemos estar certos de que o livro foi antes de tudo escrito para os judeus e não para os gentios, e que o título ‘Epístola aos Hebreus’ é , pois, adequado.”23 Muito se pode aprender sobre Timóteo, para quem Paulo escreveu duas de suas cartas pastorais, estudando as referências feitas a ele no Novo Testamento.

1.2.4.      Lugar de Composição

Não deve o intérprete desprezar ou negligenciar o local da composição de uma obra quando este conhecimento é possível. O Local da composição pode vir a esclarecer fatos ou idéias que o autor venha a mencionar em seu trabalho. Em Fp 1.13,14 Paulo diz: “de maneira que  as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de todas a guarda pretoriana  e de todos os demais, e a maioria dos irmãos, estimulados  no Senhor por minhas algemas, usam falar com mais desassombro a palavra de Deus.” Ora esse texto só pode ser bem compreendido se considerarmos o fato de que Paulo está escrevendo de uma prisão, particularmente de seu aprisionamento em Roma.4 “Paulo vivia sob constante vigilância (cf. At 28.16,20). Os guardas se revezavam. E desta forma muitos deles entraram em contato com este Apóstolo dos gentios. Assim puderam  perceber sua paciência, sua mansidão, sua coragem e sua inquebrantável lealdade às suas íntimas convicções. Eles estavam profundamente impressionados. Sim, mesmo estes soldados duros, estes legionários rudes que, presumivelmente, seriam, de alguma maneira, os menos afetados  pelo evangelho, na verdade estavam profundamente abalados pelo que viam, ouviam e sentiam na presença de Paulo. Eles prestavam atenção na maneira como falava aos amigos que vinham visitá-lo, ou ao seu secretário a quem ditava suas cartas, ou a seus juizes, ou a Deus em suas orações,  ou a eles mesmos. Não é difícil imaginar que a princípio o olhavam com certo desdém, ou dificilmente o ouviam com presteza. Porém, pouco a pouco foram se interessando por ele... por fim, se entusiasmaram. E o que aprenderam, começaram logo a divulgar. ‘Estamos guardando um prisioneiro muito especial’ – diziam eles – , ‘e estamos firmemente convencidos de que sua prisão não é devido a algum crime que tenha ele cometido, mas tão-somente por causa de sua relação com Cristo a quem ele proclama.’ E assim as notícias se espalham por entre os guardas, nas famílias dos guardas, na casa de César (veja Fp 4.22), e assim a ‘todos os demais’, ou seja, aos habitantes de Roma em geral. A causa de Paulo, ou melhor a causa de Cristo tornou-se  ‘o assunto da  cidade’. Tudo isso significava progresso para o evangelho, pois o verdadeiro assunto estava sendo elucidado.”1 A expressão “os santos da casa de César os saúdam” é muito bem compreendida quando consideramos que a prisão se deu em Roma onde habitava o imperador.

1.2.5.      Ocasião

Se existem dois aspectos que devem estar presentes na mente do intérprete quando este estuda um texto de qualquer livro da Bíblia, ou o livro inteiro, estes aspectos são a ocasião e o propósito do livro. No que foi escrito acima, já temos tocado em um trecho ou outro, na questão da ocasião. Agora porém gostaríamos de detalhar o assunto. Por “ocasião” queremos dizer a circunstância ou circunstâncias específicas que estavam ocorrendo que levaram o autor a escrever o que escreveu; a “ocasião” se refere à situação específica que motivou o autor bíblico a redigir seu trabalho. A negligência em considerar a passagem estudada à luz da ocasião do documento ao qual ela pertence, pode levar o intérprete a sérios erros de interpretação. Interpretar o “cair” de Hebreus 6.6 como se referindo ao cair em algum pecado (ver Tg 5.19,20) ou ao ato de afastar-se da comunidade cristã por algum motivo, seria um erro hermenêutico comprometedor tanto para fins teológicos como práticos. À luz da ocasião da epístola, a queda aqui seria a volta de judeus cristãos à fé judaica, o que indicaria a negação de que Jesus é o Cristo; qualquer pessoa que voltasse do Cristianismo para o Judaísmo se identificaria com a descrença judaica. O verbo “cair” portanto refere-se a uma apostasia total.
Deve ainda o intérprete fazer diferença entre a ocasião que cerca o autor do livro ou texto, e a ocasião que cerca os destinatários. Isto porque vezes há, em que a circunstância fundamental para a compreensão do texto será a do autor. Como querer entender plenamente o Salmo 51 sem considerá-lo como palavras de Davi quando possui indevidamente  a Bete-seba, e, tendo sido repreendido pelo profeta Natã, confessou o seu pecado?2

1.2.6.      Finalidade do livro

Qualquer documento escrito, seja em que época for, é constituído de objetivo. A literatura bíblica não é diferente desta realidade. Os autores das Escrituras tinham evidentemente seus próprios propósitos ao comporem suas obras.
É tarefa do intérprete descobrir tal finalidade ou finalidades (pois um livro pode ter mais de uma finalidade). Há algumas formas pelas quais o intérprete pode descobrir esse propósito ou propósitos.
Em primeiro lugar, observar a declaração explícita do autor. O apóstolo João   declara-nos que tinha em mira, ao escrever seu Evangelho, apresentar certos sinais operados por Jesus para que os leitores viessem a crer na messianidade e divindade do Senhor a fim de terem vida eterna (Jo 20.31). No prefácio de Lucas (Lc 1.1-4), várias coisas são mencionadas quanto à razão de sua escrita; estas são as chamadas razões aparentes (Dentro do próprio Evangelho pode-se encontrar outros objetivos, a saber, propósitos teológicos e apologéticos). Ele escreveu para dar certeza. “Para que conheças plenamente a verdade das coisas em que foste instruído”(1.4). Lucas quis relatar aqueles acontecimentos sobre os quais o Evangelho estava alicerçado. O evento que originou a  Boa Nova  teve sua origem na presenças de testemunhas oculares, eventos que poderão ser corroborados como historicamente corretos.  Desde o começo as testemunhas oculares relataram o que haviam visto e lhes foi ensinado. Posteriormente, muitas “narrativas” foram redigidas acerca de Jesus.  Lucas para dar certeza  ao registro do Evangelho, havia conversado com testemunhas oculares  e lera alguns dos relatos escritos. Ele também  estava familiarizado com algumas das narrativas orais, que estavam sendo transmitidas pelo testemunho verbal. Para Lucas, Jesus Cristo era o Senhor ressuscitado da Igreja, e, a partir dessa perspectiva ele escreveu a extraordinária e importante cadeia de eventos, aqueles eventos que “foram cumpridos entre nós”. Além disso, o médico amado também deixa claro que escreveu para dar um relato ordenado (“em ordem”,1.3). 3
Em segundo lugar, observar palavras, expressões ou idéias que são repetidas. A expressão       tAdl.At hL,ae (’ēleh tôledôt, estas [são] as gerações) usadas tantas vezes em Gênesis (ver 2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10; 11.27; 25.19; 36.36.1; 37.2) o aponta como o livro das gerações ou começos. Em Mateus, a palavra basilei,a (basileia, “reino”) aparece 55vezes; basileu,j (basileus, “rei”) aparece 24 vezes ( em Marcos aparece 12 vezes, e em Lucas 11 vezes).1 Isso sem dúvida destaca que um dos propósitos de Mateus está ligado ao tema do reino.
Em terceiro lugar, observar a parte parenética (exortativa) de seu escrito. “Uma vez que as exortações fluem do propósito, elas propiciam importante pista das intenções do autor. A carta aos Hebreus, por  exemplo está entremeada de exortações e advertências; por isso pouca dúvida existe de que o objetivo do autor era persuadir os crentes judeus que passavam por perseguições (10.32-35) a não voltar ao Judaísmo, mas manter-se fiéis à sua nova profissão de fé (10.19-23; 12.1-3) ... Se o significado do fato é incerto, a natureza d exortação muitas vezes será valiosa para a compreensão de seu significado.”2
Em quarto lugar, observar os pontos omitidos ou os problemas enfocados. “Por exemplo, o escritor de I e II Crônicas  não nos dá uma história completa de todos os acontecimentos  nacionais durante o reinado de Salomão e da divisão do reino. Ele seleciona fatos que mostram que Israel só pode  resistir enquanto permanecer fiel aos mandamentos de Deus e à sua aliança. Como apoio deste ponto, vemos que ele usa com frequência a frase ‘- fez o que era mau [ou reto] aos olhos do Senhor.’”3 Voltando ao propósito do Evangelho de Lucas, dentro do próprio livro pode-se encontrar  propósitos apologéticos. Entende-se que Lucas escreveu seus dois volumes (seu Evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos) numa época em que o Judaísmo e o Cristianismo estavam tão separados teológica e ideologicamente que tornava a reconciliação quase impossível. Lucas viu o problema básico como sendo da exclusividade. Em dois volumes, Lucas traçou o início de uma comunhão que teve  suas raízes dentro do Judaísmo  e tornou-se um movimento universal. Lucas quis estabelecer a continuidade entre a história judaica e o Cristianismo e mostrar como a separação ocorreu. A narrativa do nascimento e da infância de Jesus torna abundantemente  claro que o Cristianismo teve sua origem  bem no coração da piedade judaica (2.21; 1.22-24; 2.39-50).  Ainda no Evangelho, se salienta a preocupação de Jesus por todos os povos  desde o começo de seu ministério, preocupação esta que não se restringia a uma minoria seleta, os judeus ( 4.14-30; 24.44-46). Jesus não quis deixar a sinagoga ou o templo; Ele foi expulso da sinagoga em Nazaré (4.29), e foi rejeitado no templo em Jerusalém (19.41-48; 23.1,2). Lucas torna claro, tanto no terceiro Evangelho como em Atos, que o cisma existente nos dias de Lucas não fora criado por Jesus nem por seus seguidores. Era auto-exclusão dos judeus. Portanto Lucas enfoca o problema do relacionamento Judaico-Cristão. Estritamente associado com o propósito ligado à questão judaica, está o de demostrar que o movimento cristão  não representa nenhuma ameaça política à autoridade do governo romano. Em Lucas-Atos,4 Jesus e seus seguidores são considerados inocentes pelas autoridades romanas. Os judeus são vistos como aqueles que aprovam a insurreição e procuram injustamente acusar Jesus e seus seguidores de agitação política (20.20,26; 23.2,5,18,23,25).
Além de tentar descobrir o propósito do autor ao escrever seu livro, deve o exegeta estudar o livro ou um texto dele à luz desta finalidade. “É preciso que estejamos atentos para não interpretar nenhuma passagem sem primeiro entender a intenção do autor ao escrever o livro que a contém.”5 Isso devido a direção que o conhecimento do propósito do livro pode dar para entendermos o texto que está sendo estudado “... o conhecimento do fim que o autor tinha em mente não somente ajuda a entender o livro como um todo, mas também lançará  luz sobre alguns detalhes. Elliott corretamente observa: ‘Este objeto uma vez descoberto completará as frases abreviadas, lançará luz sobre obscuridades, e descobrirá o verdadeiro significado quanto houver possibilidade de várias interpretações. O objeto ajudará a distinguir entre o literal e o figurativo, entre o relativo e o absoluto, entre o pensamento principal e o secundário.”6

1.3.       Contexto Histórico Cultural Específico da Passagem

Um terceiro aspecto a ser considerado na análise histórico-cultural diz respeito à passagem que está sendo estudada. Tudo que temos visto até agora sobre está área da ciência hermenêutica aborda o livro bíblico como um todo. Mas uma passagem específica deste mesmo livro pode conter uma circunstância cultural ou histórica envolvida na construção do texto que não foi examinada no estudo do contexto histórico-cultural do livro. Daí deve o intérprete perguntar se tal passagem possui esse caráter histórico-cultural específico.
A epístola aos Gálatas foi composta tendo em vista o problema de penetração naquela comunidade cristã da influência de um grupo de judaizantes que tentava levar aqueles crentes a um novo método de justificação, a saber, a justificação por meio da prática das obras da Lei. Por meio da observação dos preceitos e mandamentos da Lei, diziam aqueles falsos mestres, o homem será declarado inocente aos olhos de Deus. Esta seria a situação histórica (ocasião) que motivou Paulo a escrever sua epístola. Tal descrição nos ajuda entender a descrição que o apóstolo fez no primeiro capítulo sobre outro evangelho (1.6,7).  Seria bastante interessante termos idéia das palavras que Paulo usa no original grego:

6      Haulafy oti tosom taweyr letaveqeshe apo ejeimou, ostir sar ejakese dia tgr waqitor tou Wqistou, eir akko euaccekiom,

 

     Me maravilho    que        tão  rapidamente          vos transferistes                    daquele que chamou               a vós

7  to opoiom dem eimai akko
    pela        graça           de Cristo      para      um outro          evangelho        o qual       não       é        outro; ...

Se observarmos as palavras gregas traduzidas por “outro” veremos que se trata de termos diferentes. Na primeira expressão “para outro evangelho” temos a palavras  heteron (heteron), e na segunda “não é outro” temos allo (allo) . No geral essas duas palavras funcionam como sinônimos em inúmeras passagens. “Mas em outras há diferenças: ... allo (allo) outro da mesma qualidade, heteron (heteron) outro de natureza diferente, contrária (diferente).”1 Na primeira expressão Paulo diz que os Gálatas tinham se transferido de Deus para um evangelho de natureza diferente, contrária; na segunda ele afirma que não há outro evangelho de mesma qualidade. O evangelho propagado pelo falsos mestres em hipótese alguma poderia ser admitido como um outro evangelho genuíno; não há outro evangelho genuíno. O evangelho deles é radicalmente diferente do verdadeiro, real, do evangelho de Cristo. Diferente tanto no método de justificação (o de Cristo ou de Paulo tem como instrumento de justificação, a fé; o deles a prática das obras da Lei) como no resultado (o de Paulo trás justificação; o deles impossibilidade de qualquer justificação, pelo contrário, certeza de condenação). Notemos portanto que a compreensão da ocasião da carta nos ajudou a entender essas palavras de Paulo em Gl 1.6,7. Mas como compreender o texto de Gl 1.11-2.21 simplesmente conhecendo a situação da ocasião da epístola? Este texto de Gálatas é narrativo ou histórico, e não faz parte da ocasião da carta, o que portanto exigiria um trabalho específico de análise histórica sobre ele, isto é, sobre a situação pelo texto narrada para que haja  uma compreensão mais plena da passagem. Ainda que a ocasião da carta lance luz sobre o motivo de Paulo ter inserido essa seção histórica em seu escrito, ela não nos dá uma compreensão completa sobre a história em si do texto.
O mesmo se dá com a questão cultural. Pode o exegeta se deparar com um texto de um livro bíblico que tenha suas idéias expressas em linguagem cultural ou que exija um conhecimento cultural específico para a compreensão da passagem. Portanto o intérprete das Escrituras deve estar atento para não negligenciar a busca por algum aspecto cultural do texto.
Vale à pena recordar as várias áreas nas quais podem se manifestar a cultura: a religião, a política, a organização militar, as leis, a agricultura, a arquitetura, o comércio, a economia e a geografia, religião, vida doméstica, estrutura social, a língua e a literatura. Vejamos alguns exemplos de textos bíblicos cujo conhecimento cultural em uma dessas áreas esclarecerá certas atitudes ou afirmações.2

Política (nacional, internacional, civil)

O que significam as palavras de Cristo: “Se alguém quiser vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8.34)? À luz do contexto anterior (v. 31), onde Jesus acabara de predizer sua morte (o que implicava na crucificação) para os seus discípulos, e levando-se em conta a questão política envolvida na crucificação, isto é, que o indivíduo que carregava a própria cruz até o local da crucificação tinha sido considerado criminoso, “tomar a cruz” significava seguir Jesus até à morte. Evidentemente, naquela época tomar a cruz não significava passar privações, nem suportar pessoas e circunstâncias. Jesus está declarando que o custo do discipulado é a própria vida física (v. 35).

Religião

Por que Elias propôs o monte Carmelo como lugar da disputa entre ele e os 450 profetas de Baal? Os seguidores de Baal acreditavam que o seu deus habitava  no monte Carmelo. Portanto, o que Elias queria era  permitir que Baal manifestasse “seu poder em sua própria residência”. Se ele não conseguisse fazer cair  um raio sobre um sacrifício em seu próprio território, sua fraqueza se tornaria evidente. Outro ponto interessante é que os cananeus viam a Baal como o deus da chuva, dos raios, do fogo e das tempestades. Logo sua incapacidade também foi demonstrada pelo fato de não conseguir fazer fogo do céu cair sobre o sacrifício.
                                                                                       Leis

     O que Eliseu queira quando disse a Elias: “Peço que me dês porção dobrada do teu espírito” (II Rs 2.9)? Estava ele pedindo duas vezes o poder espiritual de Elias? A expressão “porção dobrada” era linguagem de primogenitura. O primogênito tinha  como direito a porção dobrada da herança do pai (Dt 21.17). Além disso, o primogênito tomava o lugar do pai no lar quando este morria. Portanto, é como se  Eliseu pedisse para ser o primogênito de Elias, e como primogênito tomava o lugar do pai (e Elias estava para partir), queria pois ser o sucessor de Elias, tomar seu lugar no ministério.

Vestimentas

Qual o sentido da expressão: “Cingindo os vossos lombos do vosso entendimento” (I Pe 1.13)? Quando um homem corria, trabalhava ou guerreava, enfiava a túnica por dentro de uma faixa larga que trazia à cintura para que pudesse ter maior liberdade de movimentos. A ordem portanto implicava em  um  estado  de prontidão para agir. “cingir os lombos do entendimento” significa ter a mente pronta para agir.1


4.        Análise Literária

5.1.  Definição


Análise Literária ou interpretação retórica são expressões que funcionam como sinônimos no estudo da hermenêutica.  A interpretação literária ou retórica consiste na determinação da qualidade literária de um documento mediante a análise da estrutura (disposição dos elementos), das figura de linguagem (expressões que adicionam colorido e força ao texto) e do gênero (tipo de composição), e  de como esses fatores participam do sentido do texto.
A grande necessidade que o intérprete tem de conhecer bem a análise retórica se dá pelo seguinte fato: A Bíblia se utiliza de recurso literário. A análise literária não se trata de uma abordagem interpretativa que deve ser feita se for conveniente ou se houver tempo da parte do exegeta; ela é tão fundamental quanto os demais ramos da ciência hermenêutica. A consciência das categorias literárias, da forma e estilística (figuras de linguagem) das várias partes de Bíblia é essencial para uma  exegese correta, e consequentemente a Crítica Literária deve ser considerada como uma do muitas disciplinas de estudo bíblico. 1 A consciência de que tipo de literatura que a pessoa está interpretando é essencial a uma compreensão correta do texto. Um julgamento correto do gênero deveria ser feito para  assegurar a compreensão correta. Por exemplo, uma parábola não deveria ser tratada como uma crônica, nem poesia deveria ser interpretada como se seja uma narrativa direta. Cada passagem tem seu próprio gênero, e o intérprete deveria estar ciente do tipo específico de literatura que é e como ele deve tentar interpretá-lo. Sem reconhecimento de gênero um intérprete pode ser enganado em seu entendimento da  passagem.
Pela discussão apresentada acima, podemos perceber que a análise literária ou interpretação retórica consiste em trabalhar três áreas: Estrutura, figuras de linguagem e Gênero do livro ou passagem..

5.2.  Estrutura

5.2.1.      Definição

A análise estrutural  da Bíblia consiste no esforço  de analisar e estabelecer as relações existentes entre as partes independentes dos textos (curtos ou longos) das Escrituras.

5.2.2.      Modelos Estruturais Menores

5.2.2.1.  Poesia Hebraica

5.2.2.1.1.      Paralelismo

A Bíblia está recheada de poesia. E, em se tratando de poesia bíblica, é indispensável reconhecer a existência de características próprias a ela. A poesia ocidental, com a qual estamos acostumados, tem como marcas distintas a rima e a métrica. Já a poesia hebraica tem como característica mais marcante o Paralelismo. Ela é expressada por meio de uma relação de idéias. O poema hebraico é composto mediante a combinação equilibrada, segundo certos princípios simples,  de uma série de unidades de pensamento. O termo geral  para o relacionamento entre essas unidades  é “Paralelismo”.  Compreendido de outra forma, o Paralelismo é a repetição de conteúdo semântico e/ou estrutura gramatical igual ou semelhante em linhas ou versos consecutivos. O Paralelismo focaliza a mensagem em si, mas sobrepõe aspectos levemente diferentes do mesmo objeto e dessa convergência produz um sentido de profundidade.
Para funcionar, o Paralelismo usa alguns aspectos, a saber: Gramatical, lexical, semântico e fonológico. Seu aspecto gramatical está relacionado com itens gramaticais como tempos verbais e casos do substantivo. As linhas paralelas podem repetir a mesma estrutura gramatical como podem também diferir em forma gramatical. Vejamos o exemplo abaixo.

“Sê senhor de teus irmãos,
e os filhos de tua mãe encurvem a ti” (Gn 27.29).

Na primeira linha encontramos o sujeito “senhor” que passa a ser objeto ( “a ti”) da segunda. Temos pois uma divergência de estrutura gramatical.
O aspecto lexical focaliza a relação entre palavras paralelas específicas. Examinemos um exemplo.

“A terra é do Senhor e tudo o que nela existe.
O mundo e os que nele habitam” (Sl 14.1).

Observemos que as palavras “terra” e “mundo” funcionam como sinônimos. Essa é a relação léxica entre elas. O aspecto léxico pode observar ainda o uso poético de palavras comumente associadas ( ex.: dia/noite; comer/beber), etc.
O aspecto semântico1 observa a relação entre os significados das linhas paralelas. Voltemos ao exemplo do Salmo 24, agora com os seus dois primeiros versículos.

“1 A terra é do Senhor e tudo o que nela existe.
O mundo                   e os que nele habitam.

  2 Pois Ele mesmo fundou-a     sobre os mares,
e                             firmou-a     sobre as águas.”

O sentido do versículo um é: A terra e tudo o que há nela pertencem ao Senhor. O sentido do versículo dois é: O Senhor criou a terra. O aspecto semântico destaca qual é a relação existente entre esses dois significados. Duas palavras ligam o versículo dois ao um. A palavra “Ele” que faz menção a “Senhor”, e a palavra “pois” que explica porque a terra e tudo ó que nela existem são do Senhor. Portanto o relacionamento que há entre os dois versículos é de razão, motivo. O primeiro faz uma afirmativa e o segundo apresenta a razão para tal afirmativa.
Por fim, o aspecto fonológico observa o uso de palavras de sons semelhantes para efeito poético.
Portanto quando falamos em Paralelismo enfocamos o conceito de repetição estrutural de unidades de pensamento que visa comunicar uma mensagem por meio da relação de idéias (cada idéia contida na unidade), se utilizando de aspectos gramaticais, semânticos, lexicais e fonológicos para construir a estrutura das unidades.
Uma vez que até certo ponto a forma da poesia controla a mensagem, o estudante deve avaliar seriamente essa forma antes de compreender seu conteúdo. O Paralelismo  de um poema ajuda a forma sua mensagem. Assim, é preciso estudar a contribuição  que elementos poéticos (dentre eles o Paralelismo) trazem à passagem.

5.2.2.1.1.1.   Tipos de Paralelismo

O Paralelismo pode ser empregado de diversas formas. Há vários tipos deles. A exemplificação de alguns pode ajudar o estudante a acostumar-se com a idéia de identificá-lo, quando está interpretando uma passagem poética.

5.2.2.1.1.1.1.      Paralelismo Sinônimo

Cada linha poética expressa o mesmo pensamento em linguagem equivalente. Consiste na repetição da mesma idéia em palavras diferentes. O segundo verso repete o sentido do primeiro com            sinônimos (daí ser chamado  “sinônimo”). De uma  unidade (verso ou linha poética) para a outra a  única  mudança  se    na linguagem. Consideremos esta afirmação acerca da misericórdia de Deus:

a                                                             b
            “Não nos trata                                                           segundo os nossos pecados,
a’                                                                b’
            nem nos retribui                                             consoante as nossas iniquidades” (Sl 103.10).

A declaração consiste de dois versos compostos cada um de sujeito, um verbo, objeto direto (identificados com a  e  a’ )e adjunto adverbial (identificado com b e b’). As primeiras palavras de cada linha são paralelos entre si (não nos trata/ não nos retribui) e também as conclusões (segundo os nossos pecados/ consoante as nossas iniquidades). Pode se descrever a primeira linha como ab, a segunda como a’b’(leia-se “a linha, b linha”)1, e o par completo como ab/a’b’. Como um todo, o dístico2 expressa um único pensamento: O pecado do homem não determina como o Senhor trata seu povo. Observemos novamente o Sl 24.1:
           
        a                                        b
“A  terra    é do Senhor      e    tudo o que nela existe.
                   a’                                      b’
O  mundo                           e     os que nele habitam.”

Note que no segundo verso ocorre uma elipse3 (onde se esperaria o complemento “é do Senhor”, subtendido do verso anterior). Essa figura é possível na construção sinônima. Vezes há em que a elipse é compensada pelo alongamento da segunda linha:

                      a                        b                                               c
            “Converterei               as vossas festas                                           em luto,
                                                        B’                                                   c’
                                     e todos os vossos cânticos                                     em lamentações” (Am 8.10).

Os elementos paralelos são óbvios (festas/cânticos), mas a segunda linha pressupõe a repetição do verbo omitido (“converterei”). Palavras acrescentadas (“ e todos”) compensam a ausência do verbo, de modo que as duas linhas são quase do mesmo tamanho. Para indicar que um bloco do segundo verso é um pouco maior que o seu paralelo, o bloco maior é chamado de B’. Como um todo, o dístico afirma que  o Senhor transformará as festas alegres em tristes funerais.

5.2.2.1.1.1.2.      Paralelismo Sintético

Nesse tipo de Paralelismo, as unidades são relacionadas entre si pela lógica ou pelo movimento para a frente do pensamento do poeta. O Sl 24.1,2, já discutido acima é um exemplo de Paralelismo Sintético. A relação lógica estabelecida foi a de motivo ou razão. Observemos Am 1.7:
             
                  a                                        b                                              c
            “Meterei                                             fogo                                        ao caminho de Gaza
             d                                                                                   e
       e ele consumirá                                                                                      seus castelos.”

Notemos que o verbo “consumirá” não forma paralelo sinônimo com “ meterei fogo”, mas é  efeito deste (a relação lógica é de consequêcia). “Os muros de Gaza”  e “seus castelos” são declarações complementares, indicando a cidade inteira. Unidades ligadas entre si pela lógica  são  obviamente   paralelas  de  maneira  diferente. Vejamos o que diz Pv 3.13,14:

                           a                                                                      b
                          “Feliz aquele                                                            que encontrou a sabedoria
                                 a’                                                                     b’
e   o            homem                                                               que encontrou a sabedoria,
                                c                                                                     d
porque a     sabedoria                                                                       é mais valiosa do que a prata
                                   C’                                                                     d’
e  o       ganho que ela traz                                                    melhor do que o ouro.”

Notemos que os dois dísticos são construídos por Paralelismo sinônimo, e o segundo se relaciona com o primeiro por Paralelismo sintético visto que diz porque o homem que tem a sabedoria é feliz.

5.2.2.1.1.1.3.      Paralelismo Antitético

Aqui  a segunda linha reitera a primeira pelo contraste:

                 a                       b                 c                  d
 “Um filho                  sábio               alegra              um pai,
               -a                    -b                -c                  -d
mas         um filho              insensato         entristece            sua mãe”            (Pv 10.1)

Neste exemplo, o primeiro verso declara uma verdade com respeito ao filho sábio, enquanto o verso paralelo contém seu oposto (indicado pelo sinal negativo, “-” nas letras), ou seja, uma verdade sobre um filho insensato. A oposição se dá entre os adjetivos (sábio/insensato), os verbos (alegra/entristece) e os objetos (pai/mãe), embora seja possível traduzir este último como “pais”.1 Obviamente, embora  estruturado  de maneira antitética, o provérbio na realidade procura promover a conduta sábia entre os filhos mostrando o aspecto positivo em se ser sábio e o negativo de não sê-lo.

5.2.2.1.1.1.4.      Paralelismos Derivados

Tendo esses tipos básicos de Paralelismo, os poetas do Antigo Testamento desenvolveram outros tipos  para relacionar essas formas básicas. Essas novas formas são derivações ou variações dos tipos básicos. Há alguns que devem ser definidos e ilustrados.

5.2.2.1.1.1.4.1.1.      Paralelismo Climáxico

Esse Paralelismo usa o método da sinonímia para construir um pensamento por meio de repetição de frases curtas até chegar a alguma espécie de clímax. Vejamos o texto de  Jz 5.26,27:

                                          a                       b
              “26  À estaca   estendeu        a mão
                          A’                         b’
  e, ao martelo dos trabalhadores,      a direita;
               c             d                  e
    e deu o golpe em   Sísera,   rachou-lhe     a cabeça,
               c’     d’                     e’
      ela golpeou-o  e     seus miolos se espalharam.
                f                  g              h              i
27  Aos pés dela     se encurvou,     caiu      e ficou estirado;
               f’                 g’                 h’
         a seus pés    se encurvou              e caiu;
                               g’                   H’
                       onde se encurvou,    ali caiu morto.”

A última expressão “ caiu morto” não só é mais forte que as precedentes como não é antecipada pela repetição, o que cria um clímax muito eficaz.

5.2.2.1.1.1.4.1.2.      Paralelismo Emblemático

É uma variação do Paralelismo sinônimo em que o pensamento é expresso meio literalmente meio metaforicamente:

       “Como um anel de ouro no focinho de um porco
         assim  é a mulher  formosa sem bom senso” (Pv 11.22).

Se utilizando da símile, esse versículo salienta algum de comum que há entre um metal precioso como o ouro sendo usado de uma forma que não destaca seu valor (no focinho de um porco), e uma mulher que não tem bom senso. Sua beleza não a impedirá de sujar-se, pois lhe falta prudência.[1]

5.2.2.1.1.1.4.1.3.      Paralelismo de Especificação

Nesse Paralelismo  as linhas subsequentes  especificam a (s) precedente (s). Por exemplo, observemos como Isaías desenvolve  sua mensagem a partir de um princípio básico para situações específicas:


                                      -a                                                     -b
Os princípio    “16...cessai de fazer                                                  o mal.
                                a                                                      b
17    Aprendei a fazer                                                 o bem;
    c                                                     d
Os exemplos               buscai                                                             justiça,
                                      c’                                                       d’
         repreendei                                                      a opressão;
              c’                                                       e
         defendei                                                                o direito do órfão,
             c’                                                         e’
          pleiteai                                                    a causa das viúvas.”

Os exemplos especificam o que significa fazer o bem em vez do mal, isto é, praticar a justiça defendendo o órfão e a viúva.

5.2.2.1.1.1.4.1.4.      Outros Recursos

O recurso estrutural chamado “quiasmo” é comum na poesia hebraica. No quiasmo, o verso paralelo reverte a ordem dos hemistíquios encontrada no verso inicial. Ligadas por linhas, as partes paralelas formariam um X, chi no grego, de onde vem o nome “chiasmos”.

                        A                                                          B

                   “Tu as quebrarás                                     com vara de ferro;
                        A’                                                B’
Como um vaso de oleiro                               as despedaçarás”  (Sl 2.9).

A discussão acima do aspecto lexical do paralelismo mencionou brevemente o recurso estilístico de “pares de palavras”.  As línguas do Oriente Próximo possuíma muitos pares fixos de sinônimos. Estes são dignos de nota: ouvir // escutar; prata // ouro; ouro //ouro refinado; voz // palavra; Dom // dádiva; vinho // bebida forte ; servir // inclinar-se; moldar  //  criar  //  fazer;  povo  //  nação;  morar  //  habitar; contar// número; mão // dextra; mil // dez mil; terra // pó.

       Plantamos teu inimigo na terra
  No os que se levantam contra teu irmão.

O último recurso poético é o uso de “sequência numérica” ou do padrão “x, x+1”:

       “Seis coisas o Senhor aborrece,
     e a sétima a sua alma abomina...” (Pv 6.16).

O efeito literário do recurso é destacar um item específico, crucial, numa lista – o fator decisivo.      
5.2.2.1.2.      Interpretação da Poesia Hebraica

O Paralelismo de um poema ajuda a formar sua mensagem. Assim, é preciso estudar a contribuição que elementos poéticos trazem à passagem e também a passagem como um todo.

5.2.2.1.2.1.   A análise da Passagem

O  primeiro passo é analisar a passagem para determinar seus componentes poéticos, conforme se ilustrou acima. Não importa se são empregados recursos esquemáticos com a b c; a’ b’ c’, mas é essencial a capacidade de reconhecer os elementos.  Por exemplo, Am 1.8 trata evidentemente dos filisteus. Logo, as partes devem ajudar a iluminar a mensagem sobre eles.

5.2.2.1.2.2.   Análise, mas não  Fragmentação

Deve-se ter em mente a mensagem total do poema. Concluir, por exemplo, a partir de Pv 10.1, que um filho sábio dá prazer apenas ao pai, enquanto um filho insensato entristece somente a mãe é perder todo o sentido do texto. O provérbio não insinua de maneira alguma, que a mãe não tem prazer num filho sábio ou que o pai não se entristece com um filho insensato. Isaías 1.16b-20, citado acima, fornece um quadro bem abrangente do que seja “fazer o bem”, particularmente em relação a pessoas vulneráveis como os órfãos e as viúvas.

5.2.2.1.2.3.  Reconhecimento das Figuras Poéticas de Linguagem

A linguagem poética difere da linguagem de prosa. Expressões como “as árvores do campo baterão palmas” ou “os montes saltaram como carneiros” são poéticas, não descrições botânicas ou geológicas. De modo semelhante, quando Isaías se dirige aos “príncipes de Sodoma” e ao “povo de Gomorra” (1.10), é preciso prestar atenção em seu significado. Nessa época, Sodoma e Gomorra haviam desaparecido há muito tempo. Ao usar esse tipo de vocativo, Isaías estava comparando os ouvintes israelitas com os piores pecadores já vistos sobre a terra.

5.2.3.      Modelos Estruturais Mais Amplos

A análise estrutural de modelos amplos trabalha a estrutura dos livros da Bíblia. No estudo da estruturação, a preocupação consiste em saber como o próprio autor humano organizou seu material, isto é, como distribuiu em blocos o conteúdo exposto em sua obra. Como se foi dito na definição de Análise Literária, o estudo da estrutura de um livro se faz necessário porque tal estrutura exerce influência sobre a mensagem do livro. Em outras palavras, buscar conhecer a organização do material de um livro das Escrituras é fundamental para a interpretação de tal livro, porque é seguindo o plano traçado na estruturação que o autor humano queria que sua obra fosse lida.
O Evangelho de Mateus  está dividido em cinco seções. Através do uso de um chavão (chamado colofão), o autor apresenta seu material numa dispoisição lógica e sistemática. Estes colofões  são encontrados em Mateus 7.28, 11.1; 13.53; 19.1; 26.1: “ E aconteceu que, concluindo Jesus estes ensinos...” ( kai. evge,neto o[te evte,lesen o`  vIhsou/j tou.j lo,gouj tou,touj). Pode-se observar que o material que precede estas palavras é compreendido de narrativa seguida de discurso.  As histórias  do nascimento  de Jesus e de sua paixão são materiais estritamente narrativos. Têm valor por si mesmos, não precisam de discurso. O material de Mateus pode ser assim esboçado segundo sua organização do material:

I – O Reino: Sua Natureza e Características (4.12-7.28)
1.      Narrativa Introdutória (4.12-25)
2.      Discurso: O Sermão do Montanha (5.1-7.28)
                                       II– A Apresentação e Propagação do Reino (8.1-11.1)
1.      Narrativa Introdutória (8.1-9.34)
2.      Discurso: Missões (9.35-11.1)
                                       III – A Inauguração do Reino (11.2-13.53)
1.      Narrativa Introdutória (11.2-12.50)
2.      Discurso: As Parábolas do Reino (13.1-53)
IV – A relação de Jesus Para com o Reino (13.54-19.1)
1.      Narrativa Introdutória (13.54-17.21)
2.      Discurso: O Espírito Interno do Reino (17.22-19.1)
                              V- A Última Apresentação Formal do Reino à Nação Judaica (19.2-26.1)
1.      Narrativa Introdutória (19.2-23.39)
2.      Discurso: Escatologia (24.1-26.1)

O intérprete do livros de Mateus que deseja compreender o livro à luz do jeito que o autor pretendeu, então deve agarrar-se a estas seções e decidir por si quais são os temas principais, como uma antecipação  à séria e detalhada exegese das unidades individuais.

5.3.   Figuras de Linguagem

5.3.1.      Definição

Figura de linguagem é uma palavra ou frase colocada de maneira diferente de seu emprego ou sentido original e simples.  Tal palavra ou frase comunica um sentido diferente do literal, todavia verdadeiro. Observemos as frases a seguir: “ninguém engole esse argumento.” “Morri de rir.” No primeiro exemplo, o argumento  não é algo que se considere  comestível. Não é algo que se deva comer ou deixar de comer. No segundo exemplo a idéia comunicada é de muito riso. Outro exemplo bem interessante de figura de linguagem são as conhecidas frases: “ele come com os olhos” ou “os olhos dele são maior que a barriga”. “Comer com os olhos” significa comer a quantidade que os olhos contemplam em vem de comer o que precisa. No segundo exemplo a idéia é de alguém que deseja comer tudo o que vê,  todavia além do que consegue ou lhe farta. Essas duas frases comunicam basicamente a mesma idéia: O problema da pessoa que come demais, além do que deve. Em todos esses exemplos, há certos aspectos que não correspondem ao sentido normal e literal das palavras (seria um verdadeiro mostro, uma anomalia, alguém que tivesse seus olhos maiores que a barriga!), embora a verdade continue sendo transmitida. Visto que a Bíblia usa tantas figuras de linguagem , é importante conhecê-las  e saber que idéia transmitem.

5.3.2.      Razões para a Utilização das Figuras de Linguagem

As Figuras de Linguagem chamam a atenção. O interesse do ouvinte ou do leitor desperta rapidamente quando ele se depara com a singularidade  das figuras de linguagem. Isso é nítido, por exemplo, na advertência de Paulo: “Acautelai-vos dos cães...” (Fp 3.2). Quando se faz uma comparação entre duas coisas que em condições normais  não se assemelham nem são a mesma coisa, a reação é de surpresa.
As Figuras de Linguagem  ficam mais bem registradas na memória. As figuras de linguagem são usadas em muitos idiomas pelo fato de serem facilmente lembradas. Os escribas e fariseus dificilmente  esqueceriam  as palavras de Jesus: “sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia” (Mt 23.27).
As Figuras de Linguagem estimulam  a reflexão. Voltando ao exemplo de Paulo, o fato de ter chamado aqueles falsos mestres de “cães” logo nos desperta o pensamento: “Por que cães?” “Que semelhança há?”

5.3.3.      Relação das Figuras de Linguagem com a Interpretação Literal

Na definição apresentada acima, vimos que a figura de linguagem não utiliza o sentido literal das palavras (pelo menos o literal-comum). Significa dizer então que  as figuras de linguagem não fazem parte da interpretação literal? Ou seja, para compreendê-las precisamos recorrer à alegorização ou qualquer outro processo não-literal de interpretação? Evidentemente que não. As figuras de linguagem pertencem à interpretação literal visto que esta se utiliza das figuras de linguagem para expressar verdades literais. Talvez a dificuldade esteja em compreender que as figuras de linguagem comunicam verdades literais. Indiscutivelmente, as figuras de linguagem têm esse propósito. Por trás de cada figura de linguagem existe um sentido literal. Na frase : “Ele vira bicho quando isso acontece”, o sentido pretendido de “bicho”  não seria o normal; trata-se de uma expressão figurada que comunica um fato literal – que determinada pessoa fica irada quando certo fato acontece. A verdade literal está por trás do sentido figurado.
Assim a linguagem figurada  não é a antítese da interpretação literal; é sua componente. Talvez seja melhor não falar  em termos de interpretação figurada versus literal, e sim de interpretação literal-comum versus  de comunicar as verdades literais – verdades  que devem  ser interpretadas no seu sentido normal, histórico, gramatical, sem lhes atribuir um sentido que não foi pretendido. O quadro abaixo expõe  a relação entre a interpretação literal e  o literal-comum e   literal-figurado. literal-figurada, entendo que são duas formas legítimas

Interpretação Literal (Histórico-Gramatical)
Literal-Comum
·      Emprego normal, direto, comum
·      Fatos literais expostos de forma literal
Literal-Figurado
·  Emprego fora do comum
·  Fatos literais expostos de forma figurada


Toda figura de linguagem  depende de expressões literais-comuns. Quando Pedro escreveu: “O diabo... anda em derredor, como leão que ruge...” (I Pe 5.8), a legitimidade dessa analogia figurada depende de um mínimo de entendimento a nosso respeito de leões. Interpretar a Bíblia no sentido literal consiste simplesmente em explicar o sentido original de acordo com a utilização normal, habitual da linguagem nela contida. A verdadeira antítese  se dá entre os reformadores chamavam de interpretação literal (histórico-gramatical) e interpretação alegórica (que via, nas Escrituras, passagens de significado secreto, místico).

5.3.4.      Relação da Figura de Linguagem com a Expressão Idiomática

A expressão idiomática é uma figura de linguagem própria de dado idioma ou de indivíduos de determinada região. Em nossa língua, a afirmação: “Ele tem um coração duro” significa que é indiferente às necessidades dos outros. Mas, no dialeto shipibo do Peru, essa mesma afirmação significaria que se trata de uma pessoa valente. Esse dialeto possui uma expressão idiomática para indicar que uma pessoa é indiferente: “Seus ouvidos não têm buracos”. 1
Quando Elias deu ordem para que Eliseu o seguisse e passasse a ser seu protegido, este pediu permissão para ir despedir-se dos pais. O profeta concordou e perguntou: “Que te fiz eu?” ( I Rs 19.20). Parece uma pergunta esquisita ou sem sentido, a menos que se perceba ser um idiomatismo que significa: “Que fiz para te deter?” ou, de outra forma, “Por favor prossiga; você tem a minha permissão”. 2

5.3.5.      Alguns Tipos de Figura de Linguagem 

5.3.5.1.  Figuras de Comparação 

O mecanismo das figuras que indicam comparação é simples: Uma palavra que (por assim dizer) é literal nos contextos em que costuma ser encontrada é retirada deles e usada num contexto diverso. No tocante a “arvore” (Sl 1.3), o contexto normal seria uma conversa ou um texto relativos à agricultura; o novo contexto seria um salmo didático vinculado à conduta humana.  É perfeitamente claro que os homens na realidade não são árvore nem palha.  O que impede que seja falso esse enunciado de que o homem é como árvore é o fato de tal enunciado ser, em algum sentido,  verdadeiro. Os dois  objetos, por mais diferentes que sejam, possuem algo em comum, uma área de interseção de significado(s). Tem por base alguma semelhança entre  eles.
 Na verdade quando falamos em variadas figuras de comparação (metáfora, símile e hipocatástase) nos referimos a mesma idéia (analogia) sendo expressa textual ou oralmente de maneiras diferentes. O básico é a idéia de comparação.

5.3.5.1.1.      Símile

É uma comparação em que uma coisa lembre outra. A idéia de comparação é vista explicita ou textualmente (usando expressões “como”, “assim como”, “tal qual”, “tal como”, etc.). Pedro usou um símile quando escreveu : “toda carne é como a erva...” (I Pe 1.24). Em Sl 1.3 também encontramos uma símile: “Ele é como árvore plantada...”

5.3.5.1.2.      Metáfora

É uma analogia em que um elemento é, imita ou representa outro (sendo os dois essencialmente diferentes). Em se tratando de composição, metáfora é uma comparação não expressa, isto é, não possui nenhum indício textual de comparação. O símile por sua vez possui um sinal expresso. A analogia no símile é visível. Na metáfora está implícita. Um sinal indispensável da metáfora é o uso dos verbos “ser” ou “estar”. Temos um exemplo disso em Is 40.6: “Toda carne é erva”. Note que o mesmo texto quando citado por Pedro  difere: “toda carne é como a erva...” Um símile sempre trás a conjunção “como” ou outras expressões de mesma idéia.

5.3.5.1.3.      Hipocatástase

Aqui nesta figura a semelhança é indicada diretamente. Quando Davi disse: “Cães me cercam...” (Sl 22.16), estava referindo-se a seus inimigos, chamando-os de “cães”. Os falsos mestres também são chamados de cães em Fp 3.2. Evidentemente há um ponto em comum entre os cães e os inimigos de Davi e, da mesma forma, com os falsos mestres. As diferenças entre um símile, uma metáfora e uma hipocatástase podem ser identificadas nas seguintes frases:
      
       Símile: “Vocês, ímpios, são como cães.”
       Metáfora: “Vocês, ímpios, são  cães.”
       Hipocatástase: “Seus cães.”

5.3.5.2.  Figuras de Substituição

As figuras de comparação baseiam-se em alguma semelhança; as figuras de substituição baseiam-se em alguma relação.

5.3.5.2.1.      Metonímia

A metonímia consiste na substituição de uma palavra por outra com a qual mantém alguma relação. Essa relação pode ser entre causa e efeito, símbolo e coisa simbolizada, etc..
Relação entre causa e efeito. Nesta relação tanto a causa pode substituir o efeito, como o efeito a causa. Os opositores de Jeremias disseram: : “... Vinde, firamo-lo com a língua...” (Jr 18.18). Como seria inexpressivo um ferimento feito com a língua; é óbvio pois que eles estavam referindo-se a palavras. A língua era a causa, e as palavras , o efeito. At 11.23 diz de Barnabé: “... e, vendo a graça de Deus...”; o sentido aqui só pode ser que ele testemunhou o efeito da graça de Deus na vida dos cristãos de Antioquia. Agora observemos as palavras de Davi em Sl 18.1: “ Eu te amo, ó           SENHOR, força minha.” A força (o efeito) é empregada no lugar da causa (Senhor).
Relação entre símbolo e coisa simbolizada. Paulo escreveu aos Tessalonicenses: “Não extingais o Espírito” (I Ts 5.19). Evidentemente, o que se apaga é o fogo. Nas Escrituras um dos símbolos  do Espírito é o fogo (At 2.3)1. Aqui pois a coisa simbolizada (o Espírito2) substitui o símbolo (fogo).
Outros tipos de relacionamento. Há vários tipos de relacionamentos que podem ser usados para construir uma metonímia. Em Lc 19.29, “Eles têm Moisés e os profetas”, encontramos a relação de autor o a sua obra (o que eles têm na verdade são as obras de Moisés e dos profetas); Em I Co 10.21, quando Paulo disse, “Não podeis beber o cálice do Senhor... ”, acha-se a relação entre o conteúdo e seu recipiente (o apóstolo estava referindo-se  ao conteúdo do cálice, não ao cálice em si). A relação entre o habitante e a habitação pode ser encontrada em Mt 3.5: “Então saiam a ter com Ele Jerusalém”; também em Os 1.2: “a terra se prostituiu, desviando-se do Senhor...”

5.3.5.2.2.      Sinédoque

Um conceito básico de sinédoque é que a parte substitui o todo ou o todo a parte. Daí o indivíduo é tomado pela classe, ou a classe pelo indivíduo. O singular é tomado pelo plural, ou o plural pelo singular. Diz-se que Jafté foi sepultado nas cidades de Gileade (Jz 12.7), quando, certamente, queria dizer uma cidade.3 As cidades de Gileade (o todo) substitui a parte (uma das cidades). Quando o profeta disse em Dn 12.2: “E muitos dos que dormem no pó da terra se levantarão”, com certeza  não está ensinando uma ressurreição parcial (a expressão “uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno” deixa isso claro). “Muitos”(a parte) substituem o todo. Todos os que dormem no pó da terra ressuscitarão. Quando Lucas disse que havia ao todo “duzentas e sessenta  e seis almas” no navio, ele não quer dizer que a bordo se encontravam espíritos desencarnados. A alma (parte) substitui o todo (o corpo e a alma).

5.3.5.2.3.      Merisma

É um tipo de sinédoque em que a  totalidade ou o todo é substituído por duas partes contrastantes ou opostas. Vejamos as palavras do salmista: “Sabes quando me assento e quando me levanto...”(Sl 139.2). Assentar e levantar são movimentos opostos. Logo o salmista não estava limitando o conhecimento do Senhor aos momentos em que ele se sentava e se levantava. Pelo contrário, estava dizendo que o Senhor conhecia todos os seus movimentos4.

5.3.5.2.4.      Hendíade

A palavra “hendíade” vem do grego hen (um), dia (por meio de) e dis (duas vezes). A idéia pois seria “um através de dois”. A hendíade consiste na substituição de um único conceito por dois termos coordenados (ligados por “e”) em que um dos elementos define o outro. Quando os apóstolos falaram deste “ministério e apostolado” (At 1.22), não estavam referindo-se a dois conceitos diferentes (ministério e apostolado) mas ao mesmo conceito (expresso em duas palavras): O ministério apostólico.

5.3.5.2.5.      Personificação

Um conceito, objeto inanimado ou animal é como que colocado ou considerado em lugar de uma pessoa de forma que  são atribuídas características ou ações humanas a tal conceito, objeto ou  animal.5 A morte é personificada em Rm 6.23; o mesmo se dá com o amor em I Co 13.4-7. Ambos são exemplos de personificação de conceitos. A alegria é uma emoção atribuída ao deserto, em Is 35.1: “O deserto e a terra se alegrarão...” Esta é uma personificação de objetos inanimados. A personificação é também conhecida como prosopopéia.

5.3.5.2.6.      Antropomorfismo

Quando a personificação é usada com relação a Deus, ou seja, membros corporais  ou ações humanas Lhe são atribuídas, é chamada de antropomorfismo. Ela ocorre, por exemplo, quando a Bíblia fala dos dedos de Deus (Sl 8.3), Seus ouvidos (Sl 31.2) ou Seus olhos (II Cr 16.9).

5.3.5.2.7.      Antropopatia

Aqui emoções e sentimentos humanos são atribuídos a Deus (Dt 13.17; Ef  4.30).

5.3.5.2.8.      Zoomorfismo

Se o antropomorfismo atribui características humanas a Deus, o zoomorfismo atribui características animais a Deus ou a outros. O salmista disse: “[Deus] Cobrir-te-á com as suas penas, sob suas asas estarás seguro...” (Sl 91.4). A imagem que vem à mente dos leitores é de pintinhos ou passarinhos protegidos debaixo da galinha ou do pássaro-mãe.

5.3.5.2.9.      Apóstrofe

Consiste em dirigir-se diretamente a um objeto como se fosse uma pessoa, ou a uma pessoa ausente ou imaginária como se estivesse presente. “Ah, Espada do Senhor, até quando deixarás de repousar? Volta para a tua bainha, descansa, e aquieta-te” (Jr 47.6). O profeta fala com a Espada do Senhor como se ela fosse alguém. Uma das apóstrofes mais conhecidas da Bíblia é o grito do angustiado Davi, por motivo da morte de seu filho Absalão: “Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!” (II Sm 18.33). Evidentemente Absalão não estava presente.
Na personificação, o escritor fala de um objeto como se fosse uma pessoa, enquanto na apóstrofe ele fala com o objeto como se fosse uma pessoa. Quando o salmista falou com o mar: “Que tens, ó mar, que assim foges?... ” (Sl 114.5), empregou uma apóstrofe. Mas, num versículo anterior,  quando falou sobre o mar (“o mar viu isso, e fugiu”, v. 3), fez uso da personificação.
Não deve escapar à percepção do intérprete que mais de uma figura de linguagem podem se combinar em uma mesma sentença. No texto do Salmo, citado acima, o autor tanto se dirige ao mar como pessoa (apóstrofe) como lhe atribui uma ação humana, fugir (personificação). Nesse mesmo verso encontramos: “...Montes, porque saltais como caneiros? E vós colinas, como cordeiros do rebanho?... ” Em ambas as perguntas temos combinada a apóstrofe e o símile.

5.3.5.2.10.   Eufemismo

Consiste na substituição de uma expressão desagradável, chocante, penosa ou injuriosa por outra suave ou atenuante que transmita o mesmo significado. Falamos da morte quando usamos os eufemismos: “Fulano partiu dessa para uma melhor”; ou “fulano viajou para a cidade dos pés juntos.” A Bíblia fala da morte dos cristãos como um adormecimento (At 7.60; I Ts 4.13-15).

5.3.5.3.  Figuras de Omissão ou Supressão

5.3.5.3.1.      Elipse

É a omissão de uma palavra ou palavras cuja falta deixa incompleta a estrutura gramatical. Tal palavra ou palavras são necessárias à construção completa de uma sentença, porém que não é necessária à sua compreensão. Às vezes um adjetivo ligado a um substantivo vem substituir ambos. Em português “a capital” significa “a cidade capital”. “Os doze” representa “os doze apóstolos” (I Co 15.5). A constructio graegnans, que pertence à elipse, consiste em uma construção em que uma preposição se junta a um verbo expresso, quando realmente pertence a um verbo não expresso que é incluído no outro como seu consequente.  Observemos o que Paulo diz literalmente em II Tm 4.18:

r`u,setai,   me  o`   ku,rioj  avpo. panto.j  e;rgou  ponhrou/   kai.   sw,sei   eivj  th.n
  pysetai      me   ho      kyrios     apo     pantos      ergou       ponērou      kai        sōsei         eis    ten
 livrará      me     o     Senhor     de       toda         obra        maligna      e  (me) salvará    para    o         

basilei,an    auvtou/ th.n  evpoura,nion\  w-|     h`  do,xa  eivj   tou.j aivw/naj  tw/n
 basileian           autou    tēn       epouranion                   doxa    eis      tous      ainas      tōn    
       reino           seu       o         celestial;     a quem,     a   glória   por     os      séculos      dos     

aivw,nwn( avmh,n)
  aiōnōn    amēn.
  séculos,  amém.

Na oração “Ele me salvará para seu reino celestial”, a idéia parece ser  que o Senhor preservaria Paulo e o conduziria para seu reino celestial. A preposição eivj está seguida do caso acusativo (a expressão th.n basilei,an está no acusativo), e este é caso associado com os verbos que indicam movimento. sw,zw não  é verbo que sugere movimento. eivj1 seguida de acusativo pede pois tal verbo que indique movimento, o qual no presente texto está ausente e na tradução precisa ser explicitado. Logo as palavras “me levará” ou “me conduzirá” (verbos que indicam movimento) precisam ser introduzidas pelo leitor para completar a estrutura gramatical da frase.2

5.3.5.3.2.      Zeugma

Consiste na associação de dois substantivos a um mesmo verbo, quando pela lógica o verbo  só pede um substantivo. A tradução literal de Lc 1.64 diz assim: Sua boca se abriu e sua língua”. Mas as versões em nosso idioma acrescentaram “desimpedida” antes de “língua”, para que ficasse mais bem escrito.

5.3.5.3.3.      Reticência

É uma interrupção repentina do discurso, como se o orador não tivesse podido terminá-lo. Moisés, ao confessar os pecados do povo, disse: “Agora, pois se perdoasses o seu pecado... Se não, risca-me, peço-te, do livro que escreveste” (Êx 32.32).

5.3.5.3.4.      Braquilogia

É também uma forma concisa ou abreviada do discurso, que consiste especialmente na não repetição ou na omissão de uma palavra, quando sua repetição ou uso seria necessária para completar a construção gramatical. Nessa figura, a omissão não é tão evidente como na elipse. Assim, Paulo diz em Rm 11.18: “Não te glories contra os ramos; porém se te gloriares, sabe que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz, a ti.” O que a raiz faz ao “ti” do versículo? Sustenta. Mas a presença do verbo foi omitida ou não repetida. A Bíblia de Jerusalém assim traduz: “não te vanglories contra os ramos; e se te vanglorias, saibas que não és tu que sustenta a raiz, mas a raiz sustenta a ti.” Evidentemente a ausência da repetição do verbo não obscurece o sentido da passagem, visto que a primeira ocorrência deixa subentendido a segunda no seu lugar devido. 









1 A hermenêutica é, em essência, a reunião das leis e regras que usamos para entender o significado de uma comunicação.
2 Apesar de encontrarmos nas Escrituras palavras oriundas de outras línguas (por exemplo, o Latim), tais línguas não chegam a apresentar qualquer percentual considerável de ocorrência.
3 Cosmovisão são os pressupostos fundamentais  sobre a realidade que estão por trás das crenças e do comportamento de uma cultura. É a idéia que o homem faz do universo É a cosmovisão que oferece resposta ao homem que indaga : “Onde estou? Em meio a que estou agindo? Que relação tenho com estas coisas?”. Um texto recomendável para a compreensão do que seja cosmovisão e cultura  é “Entendendo o que é Cultura” do livro “Missões Transculturais, uma pespectiva  cultural”, da Editora Mundo Cristão.
1 Princípios de Interpretação Bíblica, pág. 120.
1 Para mais informações sobre a cidade de Corinto, pode o aluno consultar um bom dicionário bíblico ou comentários que ofereçam uma boa introdução. Recomendamos a introdução da  obra de Colin Kruse: II Coríntios, introdução e comentário, pág. 17-21.
2 Louis Berkhof, pág. 123.
3 A expressão  “pais da igreja” é usada para se referir à liderança da igreja primitiva que dirigiu a comunidade cristã depois dos apóstolos.
Seria uma conclusão equivocada pensarmos, que pela menção da evidência externa  dos livros do Novo Testamento, os livros do Antigo Testamento também não possuam tal evidência. O Pentateuco possui tanto evidência externa quanto interna da autoria mosaica. Para um bom trabalho a respeito da evidência externa do Pentateuco recomendamos a leitura do livro de Josh Mcdowell, “Evidências que Exigem um Veredicto”, vol. I, pág. 149,150. Uma excelente apresentação da evidência interna pode ser encontrada no livro de Gleason L. Archer, “Merece Confiança o Antigo Testamento?”, pág. 497-508.
4 A necessidade de se recorrer a essa liderança da igreja se dá pelo fato de que eles estão muito mais próximos da época da composição das obras do que nós, conhecendo toda tradição que se formou em torno da origem dos escritos do Novo Testamento.
5 Irineu, cerca de 185 d.C., disse: “Lucas, o seguidor de Paulo, colocou em um livro o evangelho que foi pregado por ele”. Eusébio, por volta de 325 d.C., também falou: “Lucas, por raça um nativo de Antioquia e por profissão médico, tendo-se associado principalmente com Paulo e tendo acompanhado  o restante dos apóstolos menos de perto, deixou-nos exemplos  de almas, os quais adquiriu deles, e dois livros inspirados, o Evangelho e Atos dos Apóstolos”. Os livros que se encarregam de discutir a autoria dos livros da Bíblia são as introduções ao Antigo e Novo Testamentos. Para o Novo Testamento recomendamos a leitura do livro de Broadus David Hale, “Introdução ao Estudo do Novo Testamento”, editora Juerp.
6 Os livros e dicionários de Teologia Bíblica buscam exatamente entender palavras, idéias e conceitos dos autores bíblicos levando-se em conta  o fundo de pensamento teológico de cada um. As obras que recomendamos nessa área para o Novo Testamento são: Teologia do Novo Testamento de George E. Ladd, editora Exodus, e Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Editora Vida Nova.
7 Berkhof, pág. 122.
1 Para mim, que apenas leio sobre o  assunto, apesar da vantagem comentada acima  sobre a data na década de sessenta, a data na década de cinquenta é preferível. Ver D. A. Carson, Leon  Morris e Douglas J. Moo, Introdução ao Novo Testamento,               pág. 108-112. Vida Nova.
2 As introduções ao Antigo e Novo Testamentos também discutem as datas dos livros da Bíblia.
3 Há bastante base sólida para atribuir o quarto Evangelho à autoria do apóstolo João.
4 Alguns pais da igreja confirmam essa idéia da idade avançada do apóstolo João.
5 Louis Berkhof, pág. 131,132.
1 Douglas J. Moo, Tiago, introdução e comentário, pág. 31.
2 Henry A. Virkler, Hermenêutica, Princípios e Processos de Interpretação Bíblica, pág. 62.
3 Eis algumas passagens que nos ajudam no estudo da pessoa de Timóteo: At 16.1; 17.14; 18.5; 19.22; 20.4; Rm 16.4; I Co 4.17; 16.10; II Co 1.1,19; Fp 1.1; 2.19; Cl 1.1; I Ts 1.1;3.2; II Ts 1.1; I Tm 1.2; Hb 13.23. As próprias pastorais a ele endereçadas possuem material para o estudo de sua pessoa.
4 Para argumentação a favor de prisão romana, ver o comentário de William Hendriksen da série “Comentário do Novo Testamento” sobre  Filipenses, pág. 36-48. Casa Editora Presbiteriana.
1 William Hendriksen, Op cit., pág. 97,98.
2 O título que aparece para este Salmo na Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento) também apresenta esta mesma ocasião. Ver Septuaginta, editada por Alfred Rahlfs , Deutssche Bibelgesellscaft, Alemanha.
3 Tem havido disputa entre os estudiosos quanto ao significado da expressão “em ordem”(kaqexhj, “em ordem”, “um depois do outro”, com referência temporal, espacial ou lógica. Aparece só nos escritos de Lucas: Lc 1.3; At 3.24; 11.4; 18.23; “depois disso” 8.1.). Os que advogam a dependência literária de Lucas para com Marcos, afirmam que pelo fato de Lucas não seguir a ordem cronológica de sua fonte, o segundo Evangelho, ele não tencionou pois apresentar uma ordem cronológica, e, sim, lógica dos eventos. Leon Morris assim entende (Lucas, introdução e comentário, pág. 64.                   Vida Nova). Merril C. Tenney diz: “O seu uso da expressão ‘em ordem’ não pressupõe necessariamente ordem cronológica; mas significa que tinha um plano definido de trabalho e que tencionava manter-se dentro dele” (Novo Testamento, sua origem e análise, pág. 180. Vida Nova).
1 Nem todas as ocorrências se referem ao Senhor Jesus. Para detalhes veja a palavra basilei,a e basileuj na Concordância Fiel, pág. 107-109, vol. I.
2 Henry A. Virkler, pág. 63.
3 Virkler, 63.
4 A expressão “Lucas-Atos” é usada entre os estudiosos para destacar a unidade que há entre o terceiro Evangelho e o quinto livro do Novo Testamento.
5 Virkler, pág. 63.
6 Berkhof, pág. 132.
1 William Carey Taylor. Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego, pág. 295.
2 O material foi extraído do livro de Roy B. Zuck,” A Interpretação Bíblica, Meios de descobrir a verdade da Bíblia”, pág. 93  a 98. Na seção do livro “A transposição do Abismo Cultural” o estudante poderá encontrar outros exemplos em outras área da cultura.
1  A função das versões é tornar claro, tanto quanto possível, o sentido do original. A tradução literal como a temos nesta expressão segundo a Atualizada e a Corrigida não é feliz porque não deixa claro a idéia comunicada no texto. A Bíblia de Jerusalém (BJ) foi muito mais eficaz em sua tradução: “... Com prontidão de espírito... ”. A Nova Versão Internacional (NVI)igualmente foi muito capaz: “... estejam com a mente pronta para agir”. É aconselhável pois para o estudante ter em mãos mais de uma versão da Palavra na hora de procurar compreender um texto, visto que, como já disse um estudioso, “as versões são comentários abreviados das Escrituras”. O Novo Testamento Trilíngue de Edições Vida Nova possui uma coluna com o texto grego, uma com a versão Atualizada  e outra com a New Internacional Version (a versão inglesa da Nova Versão Internacional), uma ótima opção para quem lê inglês e quer ter um texto paralelo com duas versões.
1 Deve ser prontamente negada ou rejeitada a idéia de que categorias genéricas que neguem a historicidade do texto possam ser corretamente impostas  em narrativas bíblicas que se apresentam como reais.  Note-se, a negação não é dirigida ao uso da Crítica Literária em si, mas a um uso ilegítimo dela feito por alguns que negam a verdade de passagens que são apresentadas como fatos reais. Por exemplo, levar  Adão à categoria de um mito, enquanto que na Bíblia ele é apresentado como uma real pessoa. Outros consideram Jonas como alegoria quando ele é apresentado como uma pessoa histórica e assim foi referido por Cristo (Mt 12:40-42). Esta Negação é uma advertência apropriada e oportuna para não usar a Crítica Literária como um manto para rejeitar a verdade da Escritura.  O registro bíblico de eventos, discursos e declarações, ainda que apresentado em uma variedade de formas literárias apropriadas, corresponde a fato histórico. Tal evento, discurso ou declaração apresentados na Bíblia não foram  inventados pelos escritores bíblicos ou pelas tradições que eles incorporaram.
1 Semântica é o ramo linguístico que estuda o significado das palavras. Neste sentido, o aspecto lexical pertence à análise semântica. Todavia aqui, quando falamos em aspecto semântico da poesia, restringimos a idéia à busca de entender a relação que há entre os sentidos da linhas paralelas.

1 O sinal “/” significa “é paralelo a ...”. Assim também a’’ lê-se “a duas linhas” e a’’’, “a três linhas”.
2 Passagens poéticas podem ter  uma linha (monóstico), duas linhas (dísticos), três linhas (trísticos) ou até quatro linhas (tetrásticos).
3 Para definição veja “Figuras de Linguagem.”
1 A declaração do versículo não significa que o filho sábio só alegra ao pai, e o filho insensato a mãe. É evidente que o dístico contrasta o efeito que um filho sábio ou um filho insensato causa nos pais.
[1] A palavra hebraica ~[;j;(taam) significa “gosto”, “sabor”, “prudência”, “discrição”, “tato”, “decisão”, “percepção”, “decreto.” Aqui tem o sentido de “prudência”, “discrição”.
1 Um dos sinais para identificar uma expressão idiomática ou idiomatismo é a incapacidade de alguém, que desconhece seu uso, entendê-lo logo na primeira vez que o escuta ou lê. A princípio ou não fará sentido ou soará com  um sentido diferente daquele que a expressão idiomática significa.
2 A Bíblia na Linguagem de Hoje assim traduz Mt 5.5: “Felizes os humildes, pois receberão o que Deus tem prometido”. Segundo a Comissão de Tradução, a base para esta tradução se encontra no fato de que nesse versículo temos uma expressão idiomática. “Herdar a terra” originalmente (na época das peregrinações de Israel) era uma promessa. Com o passar do tempo a expressão passou a designar exatamente isso, a saber, “alcançar a promessa”. Na época de Cristo o sentido figurado já existia.
1Para um estudo sobre o fogo na Bíblia e o que simboliza, o estudante pode consultar os artigos sobre fogo na “Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia”, volume 2,  pág. 800-802, e no “Novo Dicionário da Bíblia”, volume 2, pág. 633, 634.
2 Á luz do contexto (vv 20-22), Paulo está pensando estritamente na manifestação profética que o Espírito Santo dá à igreja. Para detalhes veja “Comentário do Novo Testamento” de William Herndriksen, pág. 204-207, Editora Cultura Cristã; também I e II Tessalonicenses, introdução e comentário, de I. Howard Marshall, pág. 187-191, Edições Vida Nova.
3 A Versão Corrigida trás: E Jeftá ... foi sepultado nas cidades de Gileade.” Se o leitor ou intérprete tomar isso literalmente entenderá que aquele juiz foi esquartejado e as várias partes do seu corpo foram enterradas em diferentes cidades. A Versão Atualizada procurou ser mais exata na tradução: “Jefté ... foi sepultado em uma das cidades de Gileade.”
4 A Bíblia na Linguagem de Hoje traduziu a própria idéia da figura: “Sabes tudo o que eu faço”.
5 John B. e Charles B., em “A Bíblia como Literatura”, pág. apresentam um outro elemento que pode ser personificado. Eles colocam que essa figura também se dá quando um grupo de pessoas – como uma tribo ou nação – são tomados como se fossem uma única pessoa e recebem atributos humanos. Como exemplo, citam Os 11.1: “Quando Israel era menino, eu o amei; chamei o meu filho do Egito.” O contexto evidencia  tratar-se da nação de Israel, e não de uma pessoa com esse nome, e a referência é, como efeito, ao Êxodo. Mencionam ainda Is 42.1, onde Israel recebe outra personificação, a de servo de Deus, instrumento de Sua vontade;. Por fim destacam Jr 3.6-12, em que o reino do norte, de Israel, e o reino do sul, de Judá, são personificados como viúvas infiéis que se prostituíram ao cultuar outros deuses.
1 Para um estudo extenso sobre esta preposição e seus significados veja: Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego de W. C. Taylor, pág. 247-253; também Gramática Exegética do Grego Neo-Testamentário de William Douglas Chamberlian, pág. 143,144.
2 A versão Corrigida mantém a tradução literal do texto original: “(o Senhor) ... guardar-me-á para o seu reino celestial...”. As versões Atualizada, Bíblia na Linguagem de Hoje, e Bíblia de Jerusalém completam a estrutura oferecendo, as três, exatamente a mesma tradução: “...(o Senhor) me levará salvo para o seu reino celestial.” A Nova Versão Internacional oferece praticamente a mesma tradução: “...(o Senhor) me levará a salvo para  o seu reino celestial.”

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